Miller e Monroe

domingo, outubro 18, 2015


Miller e Marilyn, no dia de seu casamento. Foto: Life Magazine

Comecei a escrever este texto às 23h do dia 17 de outubro de 2015, dia em que Miller faria 100 anos. Nos últimos dias, tenho pensado muito nele e em sua obra e quis escrever algo sobre isso, como se fosse uma homenagem (quanta pretensão!) àquele que me introduziu à literatura americana e que é um dos meus dramaturgos favoritos. 
A foto acima foi publicada pela revista Life-Time essa semana e faz parte do álbum de casamento dele e de Marilyn, ocorrido em 1956.  Retomo em breve.

Meia-Noite em Paris é um dos meus filmes favoritos. Consigo me identificar muito com o personagem principal, o sonhador escritor Gil, interpretado por Owen Wilson.
No entanto, enquanto ele era apaixonado pela festiva Paris dos anos 20, eu sou doida pelos anos 50 e 60.
Tudo dessas décadas me fascina. Talvez porque cinema, moda, música, juventude em geral, estivessem passando por completas transformações. Ou, quem sabe, porque tenho em mim a forte sensação de que esses anos foram cruciais para formar a sociedade que somos hoje. 
Falarei mais sobre eles, em outras ocasiões. Esse assunto rende muito pra mim!
Enfim, em Meia-Noite em Paris, Gil conhece, entre outras figuras, Hemingway e Fitzergerald. Já eu, bom, eu adoraria ter conhecido Arthur Miller!
O dramaturgo americano, nascido em 1915, era filho de imigrantes judeus poloneses e conheceu o sucesso. Em 1949, aos 33 anos, ganhou o Prêmio Pulitzer pela peça A Morte de um Caixeiro Viajante
Suas peças sempre continham algo a mais: de elementos bíblicos a representações do holocausto. Da utilização de elementos épicos a conceitos de tragédia moderna. 
Esse "algo a mais", inclusive, ajudou-lhe a entrar para a temida Lista Negra de Hollywood, por supostas ligações com partidos comunistas, extremamente combatidos pelo governo americano, nos anos de Guerra Fria. 
Admiro Miller por seu talento com a escrita, por sua percepção para abordar temas atemporais e por conseguir prender o telespectador, ou leitor, tão bem. 
Justamente por isso, me surpreendo ao saber que muitas pessoas costumam se lembrar dele por causa de outro aspecto de sua vida: seu casamento com Marilyn Monroe. 


Eles se conheceram em agosto de 1951, no set de filmagens de Sempre Jovem, quando ele decidiu aparecer por lá, na companhia do diretor do filme, Elia Kazan. 
Marilyn ainda não era a bombshell que viria a ser, mas Miller já era Arthur Miller, o dramaturgo ganhador de um Pulitzer. 
O primeiro encontro foi descrito por ele, tempos depois, como "o choque de sentir a corrente elétrica, uma sensação tão incoerente com a evidente tristeza de Marilyn, em meio ao glamour do lugar, à tecnologia e à confusão de uma nova cena sendo filmada".
À época, ele era casado e tinha dois filhos. Os dois se reencontrariam alguns anos mais tarde, na primavera de 1955, quando a peça A view from the bridge ("Panorama Visto da Ponte", em português) estava em cartaz em Nova York. Marilyn gostou tanto da peça que chegou a assisti-la três vezes! 
No entanto, seu sucesso no teatro não se refletia na vida pessoal e ele enfrentava grandes dificuldades.
Ele era visto como um perigoso intelectual de esquerda, ligado a atividades comunistas. 
De fato, ele era um esquerdista convicto, mas o Partido Comunista não identificou muitos elementos a serem elogiados em suas obras e ele não chegou a ser um de seus membros oficiais. 
O início do namoro com Marilyn foi uma das fases mais conturbadas de sua vida, chegando a ter seu passaporte confiscado pelo Departamento de Estado e a ser investigado pelo Comitê das Atividades Antiamericanas da Câmara dos Deputados. 
Miller se recusou a obedecer a denunciar outros esquerdistas e optou por não recorrer à Quinta Emenda Constitucional americana, que lhe permitiria permanecer em silêncio. 
O Congresso votou por acusá-lo de desacato, mas o veredito foi revertido, com base em argumentos técnicos.
Em 1987, durante uma entrevista, Miller afirmou que a única razão pela qual foi convocado a depor, foi o fato de que se casaria com Marilyn Monroe. Ele disse ainda que o presidente do Comitê, Francis Walters, estava disposto a arquivar o processo caso Marilyn posasse, nua, a seu lado, para uma sessão de fotos. Miller rejeitou a oferta.
No final do depoimento ao Congresso, Arthur contou a um repórter que queria o seu passaporte de volta pois tinha "uma produção em vias de ser encenada na Inglaterra e estarei lá com a mulher que então será minha esposa", quando perguntado se a mulher era Marilyn, ele concordou. Ao ser perguntado se escreveria uma peça especialmente para ela, disse um não meio sem jeito - "Eu gostaria. Mas nunca fui capaz de escrever uma peça para quaisquer atriz". 
Marilyn, ao ser questionada se sua carreira sofreria mudanças após o casamento, respondeu, com uma modéstia que lhe era característica que: "Eu acho que ele gostaria que eu fosse uma boa atriz, tão quanto eu gostaria de ser."




Essa modéstia não era falsa. Apesar de ser uma das mulheres mais lindas e extraordinárias de todos os tempos, Marilyn era extremamente insegura e triste. 
Em sua autobiografia, Timebends, publicada em 1987, Arthur Miller descreveu a atriz como "uma pessoa assombrada pelos fantasmas de uma infância infeliz, fantasmas esses que acabaram por destruí-la".
Quando eles se casaram, Marilyn tinha acabado de completar 30 anos. Vinha de dois outros casamentos fracassados e queria muito que aquele casamento desse certo. Apesar de estar apaixonada por Miller, tinha diversas dúvidas e inseguranças com relação a ele. 
Sofria por se questionar constantemente o porquê de aquele intelectual estar com ela. Não se achava inteligente a ponto de atender aos padrões dele e morria de medo de acabar "perdendo a graça" para o marido. 
Ela era fascinada pelas palavras que ele dizia a ela e ele era fascinado pelo carinha e admiração que a mulher sentia por ele.
Marilyn estava realmente disposta a ser uma boa esposa e mãe, além de querer se tornar uma atriz respeitada. Ela tinha a certeza de que tais fatores a fariam esquecer de seu passado triste.
Durante os 4 anos de casamento dos dois, Arthur enfrentou um bloqueio criativo. Seria por causa do caos em sua vida pessoal?
Enquanto isso, depois de dois abortos espontâneos, Marilyn estava mais frágil e deprimida do que nunca. Ela recebera a notícia de que jamais poderia ser mãe e se afundara de vez no álcool e nos remédios controlados.
O casamento havia fracassado e a tristeza de Marilyn não tinha mais fim. Afinal, Miller contribuiu com a infelicidade de Marilyn ou tentou ajudá-la até o fim?
Ainda em sua autobiografia, ele se descreveu como "um espectador impossibilitado de fazer qualquer coisa", incapaz de salvá-la, ou ainda, de suportar os acessos de raiva dela contra ele. Marilyn, segundo ele, era a mulher mais triste que ele conhecera. 


Estudiosos da vida de Marilyn não são lá muito fãs de Miller e dois acontecimentos em especial colaboram muito para tal.
No final do casamento, Miller escreveu o roteiro do filme Os Desajustados (The Misfits), única produção feita durante a união dos dois. 
Em sua autobiografia, ele confessou que escreveu o roteiro como um presente para a esposa. No entanto, ela logo passou a odiar esse presente.
A personagem principal, Roslyn Taber (Monroe), era para Marilyn uma caricatura de si mesma: uma pessoa extremamente frágil. 
A história continha elementos muito pessoais e visivelmente inspirados na vida do casal e, apesar de contar com elenco estelar, Clark Gabel e Montgomery Clift entre eles, o filme foi um fracasso de público e crítica.
Mais de 40 anos depois, Miller baseou sua última peça, Finishing the Picture (2004), no período que ele e Marilyn passaram juntos, gravando Os Desajustados.
O segundo motivo é a peça Depois da Queda (After the Fall), de 1964 - menos de 2 anos depois de Marilyn falecer. 
Este trabalho pode ser considerado um dos mais pessoais da vida de Miller e trata profundamente de diversas experiências vividas no casamento com Monroe. 
A peça não foi bem recebida por público e crítica, por ser considerada uma afronta ao legado e personalidade de Marilyn. Miller foi criticado até mesmo pela ex-primeira dama, Jacqueline Kennedy, que fora sua admiradora, por não ter se mostrado leal à memória da ex-mulher.
After the Fall é um de seus trabalhos menos populares, mas merece análises feitas por outros ângulos, pois possui diversos outros aspectos representados no texto. 
Arthur e Marilyn se divorciaram em 1961. Cerca de 1 ano depois, ele se casou novamente, com uma fotógrafa que conhecera no set de filmagens de Os Desajustados
Marilyn faleceu em agosto de 1962. Miller faleceu em 2005. Ela continua sendo considerada uma das mulheres mais bonitas de todos os tempos e uma excelente atriz, apesar de sempre ter pensado o oposto. Seu jeito amável e inocente a fez um dos grandes ícones do século XX.
Ele continua sendo considerado um dos maiores nomes da dramaturgia americana moderna, que completaria 100 anos, no dia de hoje. 

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1 comentários

  1. Hey, Carol!
    Que post mais lindo! :D
    Bateu uma vontade de ler tudo do Miller de novo (incluindo The Death of a Salesman).
    Adorei a forma prática com que você apresentou a biografia dos dois. :)
    Não vejo a hora de ler os próximos posts!

    Beijos e sucesso com o blog!

    Algumas Observações

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